O racismo ambiental é um termo que, apesar de não tão conhecido, está no nosso dia a dia. Tanto na realidade e até mesmo nas obras de ficção.
Tome como exemplo o aclamado filme \”Parasita\”. Nele, vemos como a desigualdade social proporciona uma série de situações absurdas entre uma família rica e outra pobre.
Em uma das cenas mais marcantes, a personagem rica da história está no carro e conversa ao telefone sobre como o céu estava limpo, pois a chuva havia limpado toda a poluição. Seu motorista, pobre, ouve revoltado: aquela mesma chuva tinha destruído sua casa e levado os itens da família.
Chover é normal e faz bem para o planeta. Alimenta plantas, renova o ar, auxilia na colheita. Mas quando sua força é tão grande que desmorona residências de famílias desfavorecidas, o problema não é do céu ou da Mãe Natureza, e sim de um sistema que não protegeu a comunidade local de um evento natural e previsível.
Se você nunca ouviu falar sobre o assunto, veio ao lugar certo. Neste texto, vamos abordar o racismo ambiental e como é possível tornar a sustentabilidade inclusiva.
O ativista Benjamin Chavis falando no comício \”Protect Our Vote\”, em 2012 (Foto: VCU Capital News Service)
O que é racismo ambiental?
É um termo utilizado para falar sobre como a injustiça ambiental afeta e marginaliza comunidades desfavorecidas, como negros, indígenas e pobres.
O termo foi cunhado pelo líder afro-americano de direitos civis Benjamin Chavis em 1982, quando, ao ser preso durante um protesto contra um aterro químico de bifenilpoliclorado na Carolina do Norte (EUA), gritou \”Isso é racismo ambiental!\”
Chavis já era um ativista muito conhecido na época, principalmente por ter sido um dos 10 condenados injustamente a 35 anos de prisão por um incêndio que não cometeram (todos cumpriam nove anos de encarceramento). Ele também atuou como secretário de Martin Luther King Jr.
Sobre o termo, Chavis dissertou:
“Racismo ambiental é a discriminação racial nas políticas ambientais. É discriminação racial no cumprimento dos regulamentos e leis. É discriminação racial no escolher deliberadamente comunidades de minoria racial para depositar rejeitos tóxicos e instalar indústrias poluidoras”
Num contexto mais amplo, racismo ambiental se refere a como o Norte Global (Estados Unidos, Canadá, Europa e Oceania) trata o Sul (América, Ásia e África).
Já num exemplo mais palpável: 800 famílias quilombolas residentes na cidade de Alcântara (MA) poderão ser expulsas de suas terras para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). O programa aeroespacial brasileiro foi iniciado na década de 1980 e funciona há 37 anos sem licença ambiental.
Desastre em Brumadinho foi provocado por rompimento da barragem da Vale, no início de 2019 (Foto: Felipe Werneck/Ibama/Wikimedia Commons)
Brumadinho
Uma das tragédias mais conhecidas dos últimos anos, o desastre de Brumadinho (MG) também pode ser considerado um caso de racismo ambiental.
Ocorrido em 2019, o rompimento da barragem em Brumadinho foi o mais grave acidente de trabalho ocorrido no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo desastre industrial mais grave do século, com 272 pessoas mortas.
Um estudo feito na época comprovou que as populações mais prejudicadas pelo ocorrido foram as negras e pobres. Além disso, nos primeiros quilômetros atingidos pelos resíduos, 63,8% da população era de não brancos.
Sobrevoo em região de Porto Seguro (BA) atingida por enchentes, em 2021 (Foto: Palácio do Planalto/Wikimedia Commons)
Enchentes
O contexto de racismo ambiental mais próximo de qualquer realidade brasileira é o de enchentes. Pessoas que vivem em residências simples de arquitetura vernacular, como os barracos e as palafitas, são as que mais sofrem com uma chuva mais forte.
A falta de saneamento básico, a alta quantidade de resíduos nas ruas e o gigantesco volume de gases de efeito estufa (GEE) liberados na atmosfera transformam favelas em um potencial cenário de tragédias.
O racismo ambiental impacta justamente pessoas que não têm poder político e econômico para reverter ou evitar essas tragédias.
As casas são construídas em barrancos ou com materiais frágeis pela falta de recursos financeiros para a compra de um terreno, a construção de uma casa, o pagamento de IPTU e/ou de aluguel.
Por isso, são afetadas até mesmo quando a chuva parece não ser muito forte, mas que é capaz de quebrar ou levar telhados mais leves. Em enchentes, a lama pode derrubar a casa, provocando uma tragédia ainda maior.
Como empresas podem combater o racismo ambiental?
Indústrias e grandes corporações são as grandes responsáveis pela emissão de GEE na atmosfera. Quando não conscientes do impacto de suas ações na sociedade, acabam prejudicando as comunidades locais — principais vítimas do racismo ambiental.
Nesse contexto, ações que possam reverter essa emissão e, principalmente, trazer benefícios à população são formas de colocar em prática a real sustentabilidade.
Sururu: conchas que transformam
O artesão Itamácio dos Santos segura o Cobogó Mundaú, desenvolvido com uma biomassa de cascas de sururu (Foto: Divulgação Portobello)
As comunidades ao redor da Lagoa Mundaú, localizada no bairro de Vergel, em Maceió (AL), sobrevivem graças à pesca do sururu. Por isso, desde 2014 o molusco é considerado patrimônio imaterial de Alagoas.
O problema é que as conchas são descartadas incorretamente, gerando problemas sanitários para a população. Os resíduos orgânicos presentes acabam apodrecendo e atraindo outros animais, o que provoca ainda mais resíduos e riscos à saúde humana.
Em 2019, surge o Projeto Sururu (hoje chamado Projeto Sururu: conchas que transformam), uma parceria entre a prefeitura de Maceió, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Iabs) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, além de outras instituições.
Marcelo Rosenbaum é convidado a participar do projeto criando um relatório, e então convida o designer Rodrigo Ambrosio para auxiliá-lo no contato com as comunidades locais.
Um dos moradores da região abre as portas para a criação de um \”laboratório\” rudimentar. Ambos, então, começaram a fazer experimentos utilizando a casca do sururu.
O suporte da ONG Instituto Mandaver e o do artesão Itamácio dos Santos permitiu a criação da biomassa que deu origem ao cobogó Mundaú — uma peça que une sustentabilidade ambiental, apoio da comunidade local e arquitetura genuinamente brasileira em um design único.
O cobogó Mundaú tem sido desenvolvido em parceria com o Grupo Portobello. A comercialização é feita pela Portobello; já as comunidades da orla da lagoa são apoiadas pela Pointer.
Seu design e o uso da biomassa foram tão revolucionários que conquistaram prêmios, como o iF Design Award 2022, na categoria Produto, e o Casa Vogue Design 2021, na categoria Revestimentos.
Além do problema de descarte, a lagoa Mundaú é prejudicada pelo racismo ambiental continuamente. Despejo de esgoto, assoreamento e retirada dos mangues são alguns dos problemas pelos quais o local passa continuamente.
Por fim, a possibilidade de desabamento de uma das minas da Braskem pode provocar o aumento de sal na lagoa, desestabilizando o ambiente propício para a proliferação de sururus e, consequentemente, provocando sua extinção local.
O desenvolvimento do Cobogó Mundaú é um passo firme e constante para ajudar as comunidades locais, mas ainda há muito a ser feito.
Outro projeto nessa direção é o desenvolvimento de uma pousada usando os blocos feitos da casca do molusco. A futura Pousada de Sururu ficará em Tatuamunha, também em Alagoas.
Como visto, o racismo ambiental está perto de todos nós, e precisa ser constantemente combatido. De nada adianta um trabalho sustentável que não contemple as comunidades desfavorecidas. Neste contexto, conheça a importância da sustentabilidade social.
(Foto de capa: Comissão Interamericana de Direitos Humanos/Wikimedia Commons)