Marcelo Rosenbaum fala sobre Design Essencial
Dicas PointerMarcelo Rosenbaum acredita que o design tem a capacidade de fazer a ponte entre os desejos dos mais privilegiados na sociedade e as necessidades das comunidades que vivem à margem. Sócio do escritório que leva o seu nome, o designer de 52 anos ficou conhecido nacionalmente pelo público ao participar do quadro Lar Doce Lar, no programa Caldeirão do Huck, na Rede Globo, de 2008 a 2012.
Nascido em Santo André, região metropolitana de São Paulo, e com mais de 30 anos de carreira, Rosenbaum busca na estética uma forma de se conectar com as pessoas. Realiza projetos nas áreas de arquitetura, design de interiores e design de produto. Ao lado da sócia Adriana Benguela e de diversos colaboradores, ele criou a metodologia Design Essencial, colocada em prática nas ações desenvolvidas pelo instituto A Gente Transforma.
Entre os projetos mais recentes, o Cobogó Mundaú, elemento vazado construído a partir das cascas do sururu, um molusco pescado na comunidade de Vergel do Lago, na zona metropolitana de Maceió. Lançado na Expo Revestir 2020, o produto será distribuído nacionalmente pela Pointer.
Em entrevista exclusiva à Pointer, Marcelo Rosenbaum explica a importância do design na relação entre as pessoas e a sociedade, destaca o valor da troca do conhecimento, fala sobre a carreira e apresenta detalhes desse projeto. Confira!
POINTER Como surgiu a sua ligação com o design e a arquitetura?
MARCELO ROSENBAUM A estética sempre foi uma forma de me conectar com o mundo e as pessoas. Quando criança, eu morava em um bairro residencial em Santo André, zona metropolitana de São Paulo, que estava em crescimento. Eu passava os fins de semana andando e imaginando os personagens que habitariam aquele espaço.
Meus pais também sempre deram muito valor ao espaço. Nas viagens, visitávamos lojas de souvenir e sempre trazíamos essas memórias. Mesmo sendo advogado, meu pai foi quem desenhou a casa. Depois, fez o mesmo com a casa de praia. Eu tinha 16 anos e as minhas ideias foram bem aceitas.
POINTER E profissionalmente? Como começou sua carreira de designer?
MARCELO ROSENBAUM No primeiro ano da faculdade de arquitetura (Marcelo não se formou) eu já comecei a trabalhar. Foi quando surgiram os shoppings no ABC paulista. A mãe da minha namorada na época tinha uma loja multimarcas que eu pedi para montar. Ela aceitou, mas com uma condição: além do projeto, faria a obra. Deu muito certo, ficou bacana para aquele momento. Aí as outras marcas começaram a me chamar.
Olhando hoje, percebo que naquele momento eu já estava de alguma forma interpretando o ser humano e os comportamentos, o que sempre foi um elemento de inspiração e estudo. Conforme montava a loja eu avaliava o que o público que consome aquele tipo de roupa gostaria de viver em um espaço comercial. Essa sempre foi minha ferramenta de estudo, como quando eu era criança viajando com meus pais e nós visitávamos os artesãos e artistas. Esse grande caldeirão é a formação do que eu faço ainda hoje.
POINTER Na sua opinião, qual o papel do design?
MARCELO ROSENBAUM É importante entender o que significa design na etimologia da palavra. Design é designo de servir a humanidade a partir de uma necessidade. Não é desenho efetivamente. É pensar frente a um contexto de existência e a serviço da humanidade.
Penso sobre o que seria o design frente a esse momento em que vivemos, em que o mundo enfrenta problemas por causa do uso excessivo dos materiais. Quando entendemos os desejos de uma sociedade que tem privilégio e as necessidades de uma comunidade que está à margem, precisando de reconhecimento e oportunidades, o design tem a possibilidade de ser essa ponte para pensar um produto que seja simbólico de transformação, conexão e despertar.
No momento, estamos em uma guerra com um ser invisível, um vírus que fez tudo parar e repensar no futuro. O design, enquanto ferramenta de transformação social, entra exatamente nesse contexto. Torna-se um objeto que transcende o próprio objeto, que fala também de comunicação e conexão, que deseja novas formas de se relacionar com a natureza, o ser humano, as comunidades.
POINTER Então design vai beleza?
MARCELO ROSENBAUM Sempre tem que ser bonito, pois a beleza é uma ferramenta de transformação, que conecta a pessoa com o objeto. Mas o bonito não é absoluto. E assim é a questão desses encontros a partir da diversidade. A necessidade do entendimento de como usar.
Todos os povos tradicionais construíram objetos muito bonitos. Não serviam apenas para decorar, mas como uma forma de usar e agradecer a própria natureza. É a vida como um grande ritual, um grande processo de gratificação.
POINTER Como surgiu a metodologia do Design Essencial?
MARCELO ROSENBAUM O Design Essencial nasceu em 2010 da inquietação e dessa forma de ver o mundo, de querer aproveitar as oportunidades que me foram dadas a partir do meu próprio trabalho e engajar isso em uma visão mais ampla, transformadora.
Eu e minha sócia (Adriana Benguela) criamos, mas muitas pessoas fazem parte desse processo de aprendizado constante. Como não sou formado em arquitetura, eu me coloco no lugar do eterno estudante, apesar de multiplicar o saber que estou adquirindo. Em cada comunidade eu me conecto com professores, mestres, sábios.
Nós não vamos em uma comunidade para transformar, mudar ou levar trabalho ou oportunidade de renda. Nós vamos lá construir a partir dessa troca de saberes e, dessas relações, criar possibilidades de geração de renda, pois o capital ainda é elemento base como reconhecimento de valor.
POINTER Qual foi o primeiro projeto com essa metodologia?
MARCELO ROSENBAUM O primeiro surgiu com a oportunidade de fazer uma transformação em uma comunidade na Zona Sul de São Paulo, o Parque Santo Antônio. Lá fizemos um movimento com estudantes de todo o Brasil. Na época, seguimos a metodologia do Instituto Elos, uma ONG de Santos, mas já com uma outra visão, que eu trouxe da relação com a Tia Dag, da Casa do Zezinho.
Virou um projeto gigante. Transformamos o entorno do campo de futebol, que era a única área de lazer, construímos uma biblioteca comunitária, fizemos uma praça onde era um lixão.
No final, um líder de três “bocas” da favela veio pedir emprego. Foi quando entendi que esse objeto que chamamos de design pode transcender o objeto. Porque eu fui na favela com o pensamento de mexer no espaço. Mas quando a gente se conecta a partir desse trabalho com a possibilidade de transformação de uma vida, essa pessoa vira exemplo para a própria comunidade.
Esse foi o primeiro resultado do A Gente Transforma. Ele trouxe o entendimento muito forte do potencial que tínhamos com esse trabalho de beleza e design, que se comunica e se conecta com as pessoas.
POINTER Quais foram as principais barreiras encontradas no início?
MARCELO ROSENBAUM Não penso como barreiras, mas desafios. O problema é fazer as pessoas entenderem que no Brasil que vivemos hoje o que elas precisam não é emprego. Elas necessitam ser reconectadas e valorizadas pelo seu próprio saber. A partir disso, conseguir ter autonomia e liberdade e, assim, receber dinheiro por conta do saber.
A comunidade está necessitada. A grande questão é o detentor do capital, as pessoas que têm certeza que estão gerando e ajudando, mas na verdade não estão, pois seguem criando uma onda contínua da estrutura escravocrata mundial de exploração.
Por isso o valor desses encontros, onde conseguimos trabalhar em uma horizontalidade. Onde a empresa consegue entender a responsabilidade de trabalhar em projetos desta dimensão, inclusive participando desde o processo de gestão e criação de todo o negócio, como a Pointer está fazendo com o Cobogó. Isso sim é um movimento de transformação e entendimento dessas novas formas de trabalhar.
POINTER Como surgiu o convite para participar da criação do Cobogó Mundaú?
MARCELO ROSENBAUM O projeto nasceu da parceria entre a Prefeitura de Maceió, o BID Lab (Laboratório de Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o IABS (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade). Eles começaram a desenhar um projeto de economia circular a partir do resíduo da concha de sururu, que é um calcário. A areia é uma commodity, um produto muito barato que não justifica entrar em uma cadeira circular de valor. Por isso me convidaram para fazer uma investigação das oportunidades e para desenhar produtos que pudessem fazer com a concha.
Convidei o design alagoano Rodrigo Ambrósio para fazer parte da equipe e logo iniciamos a conexão com a comunidade. Foi quando encontramos um artista local, o Itamácio dos Santos, que elaborou uma forma de fazer vasos com areia e cimento. Das criações surgiu o Cobogó Mundaú, no qual 70% do insumo é concha de sururu e 30%, cimento.
Coloquei a peça em uma loja em Miami, nos Estados Unidos. E ficou muito bonito. Foi quando eu publiquei uma foto no Instagram e o pessoal da Portobello Grupo viu e entrou em contato. Já fizemos o pré-lançamento na Expo Revestir, construindo, junto com a Pointer, o projeto e a comunidade, um negócio para geração de oportunidades.
POINTER Existem outros produtos com a concha do sururu?
MARCELO ROSENBAUM Já fizemos textura de parede e criamos uma coleção de luminárias e de produtos de decoração, com vasos e fruteiras. Com empresas engajadas que entendem o projeto como um movimento socioambiental e de conexão, de profunda transformação, temos parceiros que dão mais força e criam possibilidades para a continuidade.